O DISPOSITIVO E A GESTÃO PROCESSUAL NO C.P.C. DE 2013
O DISPOSITIVO E A GESTÃO PROCESSUAL NO C.P.C. DE 2013
Este novo diploma considera que a Reforma de 1995/1996
estabeleceu correctamente os princípios orientadores do Processo Civil moderno,
“mas não colocou nas mãos dos intervenientes processuais os instrumentos
adequados para o tornar eficaz, viabilizando os fins a que se tinha proposto”.
O N.C.P.C. propõe-se a completar esta Reforma e a conferir às
partes e ao juiz estes mecanismos, tendo em vista a justa composição do litígio
e o “primado da substância sobre a forma”
Este novo diploma consagra como prioridade máxima do tribunal
a análise e resolução de questões essenciais ligadas ao mérito da causa, deixando
para trás formalismos injustificados e ultrapassando-se definitivamente uma
concepção de “processo civil desmesuradamente rígido e preclusivo”.
Assim, tendo em vista a prossecução destes objectivos, o
artigo 6.º vem estabelecer para o juiz um dever de gestão processual.
E no seu n.º1 deste
artigo que ao juiz cumpre, “sem prejuízo do ónus de impulso especialmente
imposto pela lei às partes, dirigir activamente o processo e providenciar pelo
seu andamento célere, promovendo oficiosamente todas as diligências necessárias
ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou
meramente dilatório e, ouvidas as partes, adoptando mecanismos de simplificação
e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo
razoável”.
Já o n.º 2 do mesmo artigo determina para o juiz o dever de
providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais
que sejam susceptíveis de sanação, determinando a prática dos actos que sejam
necessários à regularização da instância ou convidando as partes a praticá-los,
este artigo reflecte amplamente uma concepção publicista do Processo Civil,
marcada pelo ideal de justa composição do litígio (ou seja, alcançar uma
decisão mais a este propósito, Ora, este ideal só é possível de ser alcançado
através de uma intervenção activa do juiz no processo.
É evidente que o processo já não é ‘uma coisa das partes’,
mas antes diz respeito ao juiz e à justiça a partir do momento em que as partes
provocam a intervenção do tribunal.
No entanto, o artigo 6.º não ficou isento de controvérsia. No
âmbito da gestão processual, surge a questão de saber sobre que aspectos do
processo é que o juiz exerce influência.
Deve o juiz influenciar o processo a um nível puramente
formal, focando-se apenas nas questões processuais, ou deve também intervir a
um nível material, ou seja, no objecto do processo?
Olhando para a lei, não surgem dúvidas de que esta autoriza a
gestão formal do processo.
Cabe ao juiz a direcção formal do processo, nos seus aspectos
técnicos e de estrutura interna.
Esta direcção implica que lhe sejam concedidos poderes que
visem assegurar a regularidade da instância e o normal andamento do processo.
O melhor exemplo de gestão formal surge no artigo 547.º, que
consagra o princípio da adequação formal do processo.
De acordo com este princípio, o juiz tem o dever de adoptar a
tramitação processual que seja adequada às especificidades da causa e adaptar o
conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando
um processo equitativo.
Este princípio não é uma novidade da Reforma de 2013.POIS
QUE, O artigo 265.º - A do C.P.C. 95/96 já autorizava o juiz a praticar os
actos que melhor se adaptassem ao processo e a proceder às necessárias
adaptações, quando a tramitação prevista na lei não se adequasse às
especificidades da causa.
Esta norma permitiu ao juiz, nas palavras de que os poderes
de impulso concedidos ao tribunal resultam de um modelo publicístico do
processo e destinam-se a evitar a situação de inactividade do tribunal.
pode-se dizer que as especificidades da causa são as suas
características incomuns que impedem ou condicionam a eficácia ou a eficiência
de uma tramitação prevista na lei. “desviar-se do padrão abstracta e
rigidamente previsto na lei”.
Ao juiz é agora permitido modelar o conteúdo dos próprios
actos processuais, passando a ser, ele próprio, o “arquitecto do processo a
adequação formal permite ao juiz tanto prescindir da realização de certos actos
impostos pela lei, como ordenar a prática de actos não previstos legalmente
O dever atribuído ao juiz pelo artigo 547.º visa permitir uma
boa acção da causa, mediante uma acção individualizada sobre os meios
processuais.
Quando o juiz constata que a forma prevista na lei não
promove um processo equitativo, deve lançar mão da adequação formal, de modo a
satisfazer esta garantia constitucional, a evolução mais relevante do artigo
265.º - A do C.P.C. de 95/96 para o artigo 547.º do C.P.C. de 2013 consistiu na
eliminação do requisito negativo.
O artigo 265.º - A previa que a tramitação processual
prevista na lei só poderia ser afastada quando não fosse adequada às
especificidades da causa.
No entanto, o novo artigo 547.º impõe ao juiz um dever
diferente, por força deste artigo o juiz deve escolher, de entre as várias
opções eficazes, a que for mais eficiente. “Não basta que o acto praticado seja
eficaz, útil e adequado: tem de ser o mais eficaz, o mais útil e o mais
adequado”.
O nosso Código proclama e autoriza a gestão processual na sua
vertente formal.
Ainda assim, as questões acerca da gestão material
permanecem.
O artigo 6.º continua envolto em incógnitas acerca do alcance
dos poderes do juiz nesta dimensão material.
Por este motivo, as opiniões dividem-se, existindo autores
que não encontram reflectida no artigo 6.º a vertente material da gestão
processual.
A gestão material está relacionada com a intervenção do juiz
ao nível do pedido e da causa de pedir.
Neste campo, encontra um limite no princípio do dispositivo
que, como já sabemos, determina, que é às partes que cabe alegar os factos
essenciais que constituem a causa de pedir.
Ora, no actual Código de Processo Civil, a exposição de
motivos refere que, ao nível deste princípio, é consagrado um novo paradigma.
À luz deste novo modelo, o que interessa é que a sentença
“expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela
prova produzida, resultou dos autos.” Isto implica uma contradição entre os
dois princípios?
É possível que a sentença reflita ambos os princípios,
decidindo com base nos factos essenciais invocados pelas partes e, ao mesmo
tempo, inclua todos os factos que expressem a realidade da situação?
Em certos domínios, a questão da gestão material já se
encontra esclarecida.
No domínio das provas, a querela encontra-se há muito
resolvida pelo princípio do inquisitório, como já mencionámos.
Também nos processos de jurisdição voluntária, o artigo 986.º,
n.º2, consagra o poder da livre investigação dos factos, contrariamente ao que
sucede nos processos de jurisdição contenciosa.
É no âmbito destes últimos que se coloca o problema da
amplitude da gestão material enquanto na jurisdição contenciosa o tribunal, por
força do princípio do dispositivo, tem de cingir-se aos factos alegados pelas
partes, na jurisdição voluntária o juiz pode investigar livremente os factos.
No que respeita ao princípio do dispositivo, é notável que
este sofreu uma flexibilização com o C.P.C. de 2013, que veio estabelecer uma
conexão directa entre a produção de prova e o aparecimento de factos novos na
acção. Anteriormente, a prova apenas servia para demonstrar ou refutar os
factos alegados nos articulados.
Todavia, admite-se hoje que da produção de prova brotem
factos novos para o processo, como resulta da exposição de motivos, o Processo
Civil excessivamente rígido e preclusivo incutia nas partes a necessidade de
articularem todos os factos essenciais ou instrumentais, com receio de que a
sua não articulação implicasse a perda do direito à prova sobre estas matérias.
Agora, com o objectivo de “homenagear o mérito e a substância
em detrimento da mera formalidade processual”, as partes articulam os factos
essenciais que sustentam as suas pretensões e fica reservada a possibilidade
de, ao longo do processo, serem aproveitados vários factos que mereçam a
consideração do tribunal com vista à justa composição do litígio.
Neste contexto, o artigo 5.º, apesar de atribuir às partes o
ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles
em que se fundamentam as excepções invocadas, confere ao tribunal poderes de
cognição relativamente aos factos instrumentais que resultem da instrução da
causa, aos factos complementares ou concretizadores, aos factos notórios e
àqueles que o tribunal tenha conhecimento por virtude do exercício das suas
funções.
O artigo 264.º do C.P.C. de 95/96 já previa um regime
idêntico ao do actual artigo 5.º. “veio quebrar o dogma de que todos os factos
relevantes para a decisão da causa tinham, sempre e necessariamente, de constar
dos articulados”.
O n.º 3 deste artigo determinava que seriam considerados na
decisão os factos instrumentais e os factos complementares e concretizadores de
outros que as partes tivessem oportunamente alegado e que resultassem da
instrução e discussão da causa.
No entanto, a parte interessada teria que manifestar vontade
em aproveitar estes factos.
Ora, este requisito foi eliminado pelo C.P.C. de 2013,
podendo o juiz introduzi-los no processo.
Ao aprovar esta alteração, o legislador presumiu que a parte
pretende sempre aproveitar o facto.
Os factos essenciais são, tal como definidos pelo artigo 5.º,
n.º1, aqueles que integram a causa de pedir e que fundam as excepções invocadas
pelas partes.
Os factos essenciais traduzem uma hipótese normativa. Como já
se sabe, as partes tem sempre ónus de alegação destes factos e “o juiz não pode
considerar, na decisão, factos principais diversos dos alegados pelas partes
(em articulado ou em resultado da instrução da causa).
Por muito que suspeite da sua verificação ou que deles tenha
até conhecimento, o juiz não pode, em regra, deles servir-se.”.
Já os factos instrumentais são aqueles que, pelas regras da
experiência, permitem indiciar a existência dos factos essenciais (cfr. artigo
5.º, n.º 2, alínea a)).
Em relação aos factos complementares e concretizadores, o
novo Código retirou o qualificativo ‘essencial’ que surgia no C.P.C. anterior.
No entanto, “estes factos continuam a ser qualificados como
essenciais” .
Assim, os factos complementares são aqueles que constituem um
suplemento dos factos essenciais já alegados.
Já os factos concretizadores permitem densificar os factos essenciais
alegados até ao nível de concretização exigido pela norma substantiva para que
o direito invocado seja reconhecido.
Contundo, para vários autores, esta distinção entre factos
complementares e concretizadores afigura-se demasiado teórica e com pouca
relevância num contexto prático. Alguns consideram que o legislador poderia
apenas ter feito referência à função complementar que estes factos assumem,
evitando a diferenciação entre factos complementares e concretizadores.
O mais importante seria reconhecer que a factualidade alegada
foi insuficiente para a procedência da acção e assim o novo facto
complementaria os já alegados.
Outros dizem que o legislador deveria ter utilizado a
distinção mais clara entre factos essenciais e factos instrumentais,
Os factos essenciais são os previstos nas fatispécies das
normas dos quais pode emergir o efeito prático jurídico pretendido pelo autor
ou pelo réu reconvinte, sendo imprescindíveis para a procedência da acção ou da
reconvenção.
Os factos instrumentais não preenchem a previsão de qualquer
norma de direito substantivo que confira um direito ou tutele um interesse das
partes, mas permitem, por presunção, chegar à demonstração dos factos
principais, tendo uma função probatória. “autorizando o aproveitamento tardio
de uns e outros, flexibilizando ainda mais” o princípio do dispositivo ou ainda
“a categoria de factos complementares e concretizadores deveria ser pura e
simplesmente eliminada do Código” e em vez disso que se deveria admitir a
alegação ou aquisição de factos até ao fim do julgamento sem referência às
distinções entre factos essenciais, instrumentais, complementares ou
concretizadores, “mas antes a critérios flexíveis como nexo causal, transacção
económica ou pretensões dependentes”, sendo necessário que o regime factual
legal assentasse em conceitos de difícil concretização prática, não sendo
admissível que se privilegie a teoria jurídica à eficácia e utilidade do regime
processual.
Contudo, se os factos complementares não deixaram de
ser essenciais (apesar do desaparecimento desta palavra no novo Código), estes
continuam a ter relevância no âmbito de uma causa de pedir complexa, isto é,
uma causa de pedir que assenta em vários factos essenciais que carecem de ser
alegados pelo autor
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